Muitas pessoas nunca ouviram falar na expressão “Indicações Geográficas” ou em “IGs”, mas as expressões “Vinho do Porto” (Portugal), “Champagne” (França), “Tequila” (México), “Cachaça de Paraty” (Brasil, Rio de Janeiro), “Queijo da Canastra” (Brasil, Minas Gerais), dentre outras, são popularmente conhecidas e reconhecidas como sinônimo da qualidade e de procedência de tais produtos. Tais expressões são exemplos de Indicações Geográficas existentes e protegidas legalmente.
Então, com base nesses exemplos, pode-se inferir o que é uma indicação geográfica: são signos ou sinais distintivos que identifica que um produto é originário de determinada região geográfica delimitada, alinhando tal origem à padrões de qualidade reputação ou outra característica ligada à essa localidade originária. Segundo o (SEBRAE; INPI, 2019) as indicações geográficas:
[...] se referem a produtos ou serviços produzidos ou prestados de forma local, leal e constante, em alguma cidade ou região que, ao passar do tempo, adquiriram fama ou reputação, seja por fatores históricos, naturais, culturais ou tradicionais, sendo identificados ou denominados com o nome geográfico dessa mesma localidade ou região.
Juridicamente, a indicação geográfica é um ramo da Propriedade Industrial, a qual trata da proteção dos direitos de propriedade imaterial, como por exemplo, do direito autoral, das marcas, das patentes, dos desenhos industriais, etc.
Segundo Bruch (2011), o “Vinho do Líbano” mencionado no Antigo Testamento da Bíblia é uma expressão que pode ser compreendida como de um sinal distintivo de origem e de qualidade, pois naquele tempo o vinho do Líbano era tido como um dos melhores do mundo. Segundo a autora, “O Antigo Testamento da Bíblia cristã é pródigo em referências como essas”. Bruch, inclusive, cita em nota de rodapé, diversas passagens da bíblia que fazem referência, por exemplo, a “Linho do Egito”, “Ouro de Ofir”, “Pedras de Társis”, “Trigo de Minit”, etc. (BRUCH, 2011, p. 25). Entretanto, durante muito tempo, não houve nenhuma proteção legal à IGs, o que consequentemente facilitava a ação de falsificadores. Uma das primeiras regulações protetivas às IGs surgiu em Portugal, em 1756, visando proteger o “Vinho do Porto”. (BRUCH, 2011, p.26).
No Brasil, o tema é relativamente novo, pois as IGs somente se tornaram objeto de legislação federal em 1996, com a publicação da atual Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, chamada de LPI). A referida lei regulou todos os direitos de propriedade industrial, reservando os artigos 176 a 182 para a regulação das indicações geográficas, nos quais estabeleceu duas espécies de IG, quais sejam: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO) (BRASIL, 1996).
As Indicações de procedência estão ligadas ao fato de a região geográfica ter se tornado conhecida como sinônimo de qualidade daquele produto ou serviço, como por exemplo, os “Chocolates de Gramado”, produzidos na cidade gaúcha de Gramado. As Denominações de Origem estão ligadas ao fato de que a qualidade daquele produto ou serviço está ligada a características da região geográfica, levando-se em consideração fatores naturais e humanos, como por exemplo, os vinhos do “Vale dos Vinhedos”, que possuem determinadas qualidades (ligadas ao tipo de solo, de cultivo decorrente da colonização italiana, inclinação do terreno no qual as uvas são plantadas, etc.) da região abrangida pelos municípios gaúchos de Garibaldi, Bento Gonçalves e Monte Belo do Sul.
Ocorre que “A diferenciação de produtos a partir da sua origem e qualidade como estratégia para conquistar mercados é uma tendência que vem ganhando força no Brasil e no mundo” (GIESBRECHT; MINAS, 2019, p. 119). Isso porque os consumidores cada vez mais valorizam a qualidade e a procedência de um produto. E, essa é a função de uma indicação geográfica: alinhar qualidade e origem a um mesmo titular, diferenciando o produto entre os demais do mesmo gênero existentes no mercado.
Contudo, se equivoca quem pensa que a busca de um selo de indicação geográfica perante o INPI1 deve ficar restrita apenas aos médios ou grandes produtores rurais ou empresários. Conforme esclarece Giesbrecht; Minas (2019, p.122):
Para os pequenos negócios, as Indicações Geográficas se apresentam como uma estratégia de agregação de valor à produção em escalas reduzidas, comumente decorrente da delimitação da área demarcada, em contraponto à produção em grande escala, característica das commodities. Na medida em que se aumenta a demanda por um produto vinculado a uma Indicação Geográfica, o qual é produzido sob condições determinadas no seu Caderno de Especificações Técnicas e numa área específica, a tendência é o aumento do preço desse produto, já que há um limite para o aumento do seu volume de produção – o raro torna-se caro. A Indicação Geográfica dá um propósito social para a produção local. Pode envolver grandes e pequenos produtores rurais e empresas, em arranjos coletivos, voltados a um objetivo comum de resgatar a história, registrar a memória e proteger o conhecimento tradicional de uma região. (grifo nosso)
Ou seja, a indicação geográfica contribui para o destaque do produto desenvolvido, inclusive, pelo pequeno proprietário rural. Tal destaque está ligado a um padrão de qualidade estabelecido no caderno de especificações técnicas da IG e deve ser obedecido por todos os produtores que fazem parte da entidade coletiva (por exemplo, associação) titular da IG. Essa garantia de um padrão de qualidade alinhada a uma procedência garantida confere destaque e, consequentemente, maior valor comercial ao produto objeto da IG.
Por isso, se você é produtor rural e quer destacar seu produto no mercado as indicações geográficas podem auxiliá-lo na busca do sucesso!
Dra. Rosângela Barros
OAB/RS 65311
Grupo Mário de Almeida
REFERÊNCIAS:
INPI = INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Autarquia federal brasileira responsável pela concessão ou não de registro para as indicações geográficas, dentre outros direitos de propriedade industrial.
BRASIL. LEI No 9.279, DE 14 DE MAIO DE 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Brasília, Brasil, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm
BRUCH, Kelly Lissandra. Signos Distintivos De Origem : Entre O Velho E O Novo Mundo Vitivinícola. 2011. 1–277 f. - Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul., [s. l.], 2011. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/115635
GIESBRECHT, H. DE O.; MINAS, R. B. A. de. OS PEQUENOS NEGÓCIOS E AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS BRASILEIRAS REGISTRADAS: Transformações percebidas e aprendizados. In: INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS, SIGNOS COLETIVOS E DESENVOLVIMENTO LOCAL/REGIONAL. Erechim: Deviant Ltda., 2019. p. 119–138. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/221716/001101382.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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